Hervé Fischer
Em Salvador da Bahia, a cidade mais importante de população negra fora do continente africano, cidade exuberante pela música e beleza, mas também marcada pela escravidão da época colonial e hoje ainda pela miséria, participamos com a governadora geral do Canadá
de vários encontros nos centros comunitários, assim como de debates com criadores e estudantes sobre os temas da luta contra o racismo e pela solidariedade humana. E quero fazer uma homenagem pública a Michaëlle Jean pelo seu engajamento determinado em favor dos desfavorecidos e daqueles que lhes prestam socorro com uma criatividade admirável.
Nesse aspecto, o caso do Brasil é particularmente estimulante e eu gostaria de retomar aqui algumas idéias que poderiam levar a pensar melhor o mundo de hoje.
Nossa visão do mundo atual é impressionista, ela é atomizada, mas também globalizada, segundo dois polos opostos da nossa consciência e até mesmo da nossa cosmogonia. Estamos divididos entre uma concepção fragmentada da humanidade e uma exigência planetária do progresso humano. Militamos simultaneamente pelo direito à diferença, à divergência até, e pelo universalismo da consciência ética. Seria uma contradição? De forma
alguma, pois se trata paradoxalmente da mesma reivindicação. O direito ao respeito das nossas diversidades é um direito elementar universal, sejam elas lingüísticas, identitárias ou históricas, que se trate da cor de cabelo ou de pele ou da orientação sexual. E como nosso recémnascido humanismo individualista e burguês já perdeu sua credibilidade depois de tantas guerras, genocídios, explorações humanas cínicas que devastaram nossa época dita
moderna, a única escolha agora é inventar um novo humanismo. É assim que descobrimos a necessidade de um hiperhumanismo, onde o prefixo hiper significa ao mesmo tempo um
aumento do nosso humanismo e a necessidade construir a partir de links, os da solidariedade humana.
Evidentemente, vou recorrer aqui à metáfora da Internet onde criamos sentido e relações humanas ativando hyperlinks. Ao invés de nos resignarmos, em nome da impotência, ao escândalo moral permanente e insuportável do mundo atual, precisamos imaginar e querer criar uma hiperhumanidade. Mas a Internet não é só uma metáfora: é também uma tecnologia potente que pode nos ajudar a conectar as nossas solidões para construir redes de solidariedade. Respeitar o outro, é respeitar a si mesmo, na partilha de uma mesma exigência de humanidade que não é divisível. É necessário pensar a solidariedade virtual de todos os seres humanos e afirmar então o universalismo da nossa consciência na luta por uma ética planetária. De fato, o vidro e o teto devem variar segundo as culturas, mas todos os seres humanos têm direito à água potável e à segurança física na sua vida diária. A moral não varia segundo a diversidade das culturas quando se trata de direitos humanos fundamentais à moradia, ao alimento, à saúde, à educação, à liberdade de expressão, à paz. Esses direitos, elementares, são tão freqüentemente desprezados, que é preciso lembrá-los sem parar nas
declarações oficiais. Infelizmente não existe nenhum sentido moral, nenhuma justiça na natureza.
O progresso humano e a consciência ética para os quais militamos não são naturais; eles exigem vontade e constituem um valor agregado da humanidade com relação à lei natural da selva. O movimento altermondialista atual revela a emergência dessa consciência crítica planetária de que tanto precisamos. Preferimos falar de hiperhumanismo, em vez de
humanismo e universalismo cujos conceitos estão hoje desacreditados por uma história que os vinculou de forma abusiva aos efeitos perversos dos imperialismos, das conquistas coloniais, em particular aqui nos países da América Latina, do comunismo e hoje da globalização neoliberal que tentam nos impor as potências leoninas. As culturas variam para nossa felicidade, mas quando é a ética elementar que varia, é sempre para a infelicidade
dos homens.
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